quinta-feira, 4 de abril de 2013

A diferença entre vigia e vigilante e a questão do risco de vida e periculosidade


É muito comum a confusão em relação às profissões de vigia e vigilante. A maioria das pessoas acredita que são sinônimos. Grande equívoco !!  Conforme será verificado a seguir são profissões diferentes e regulamentadas na legislação.
Inclusive, a confusão existente sobre as profissões em análise empolga muitos vigias a postularem no Judiciário Trabalhista direitos destinados aos vigilantes.
Assim, é importante ter conhecimento das diferenças... 

I. A diferença entre VIGIA e VIGILANTE

Conforme já destacado acima vigilantes e/ou guardas de segurança são profissionais que se distinguem dos porteiros e vigias.
A diferenciação entre as referidas profissões é muito importante, visto que os trabalhadores que atuam na área de vigilância ficam expostos a maiores riscos, razão pela qual são destinatários de determinados direitos e benefícios que não são alcançados aos meros vigias.
Ou seja, os VIGIAS não têm direito ao pagamento de adicional de risco de vida previsto em normas coletivas ou do adicional de periculosidade previsto na legislação desde o final de 2012, ao passo que suas atividades não são atinentes a vigilância e segurança, mas, sim, a asseio e conservação.
Nessa senda, cumpre observar a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), cujas descrições das ocupações demonstram que não se pode confundir as funções de vigia e porteiro com as  de vigilante e guarda de segurança.
O CBO 5174 refere-se aos porteiros e vigias, e segue abaixo transcrito: 

5174 :: Porteiros e vigias
Títulos
5174-05 - Porteiro (hotel)
Atendente de portaria de hotel, Capitão porteiro 
5174-10 - Porteiro de edifícios
Guariteiro, Porteiro, Porteiro industrial 
5174-15 - Porteiro de locais de diversão
Agente de portaria
5174-20 - Vigia
Vigia noturno 
Descrição Sumária
Fiscalizam a guarda do patrimônio e exercem a observação de fábricas, armazéns, residências, estacionamentos, edifícios públicos, privados e outros estabelecimentos, percorrendo-os sistematicamente e inspecionando suas dependências, para evitar incêndios, entrada de pessoas estranhas e outras anormalidades; controlam fluxo de pessoas, identificando, orientando e encaminhando-as para os lugares desejados; recebem hóspedes em hotéis; acompanham pessoas e mercadorias; fazem manutenções simples nos locais de trabalho.
Fonte: http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf


Ou seja, o trabalhador contratado como porteiro, vigia, guariteiro, atendente de portaria e similares é aquele que desempenha funções concernentes ao asseio e conservação, não sendo consideradas atividades de vigilância/segurança, tanto que não utilizam armamento em suas atividades e independem de autorização da Brigada Militar ou da Polícia Federal.
Por outro lado, vigilante é uma profissão regulamentada pela Lei nº 7.102/83, atinente a função de vigilância/segurança, exercida por profissional que pode utilizar armamento.

A profissão de vigilante pode ser exercida somente por pessoas habilitadas por escolas de formação de vigilantes, permanentemente e periodicamente revalidadas pelo órgão competente, e contratadas por empresas autorizadas pelo Departamento de Polícia Federal.
O CBO 5173 refere-se aos vigilantes e guardas de segurança, “in verbis”: 

5173 :: Vigilantes e guardas de segurança
Descrição Sumária
Vigiam dependências e áreas públicas e privadas com a finalidade de prevenir, controlar e combater delitos como porte ilícito de armas e munições e outras irregularidades; zelam pela segurança das pessoas, do patrimônio e pelo cumprimento das leis e regulamentos; recepcionam e controlam a movimentação de pessoas em áreas de acesso livre e restrito; fiscalizam pessoas, cargas e patrimônio; escoltam pessoas e mercadorias. Controlam objetos e cargas; vigiam parques e reservas florestais, combatendo inclusive focos de incêndio; vigiam presos. Comunicam-se via rádio ou telefone e prestam informações ao público e aos órgãos competentes.
                                      Fonte: http://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/pesquisas/BuscaPorTituloResultado.jsf
As funções de vigilante e guarda de segurança são regulamentadas pela Lei nº 7.102/83, que define a atividade, conforme abaixo transcrito em seus arts. 15 e 16: 

Art.15.  Vigilante para os efeitos desta Lei é o empregado contratado para a execução das atividades definidas nos incisos I e II do caput e parágrafos 2º, 3º e 4º  do art. 10.
Art. 16.  Para o exercício da profissão, o vigilante preencherá os seguintes requisitos:
I- ser brasileiro;
II- ter idade mínima de 21 (vinte e um ) anos;
III- ter instrução correspondente à quarta série do primeiro grau ;
IV- ter sido aprovado em curso de formação de vigilante, realizado em estabelecimento com funcionamento autorizado nos termos desta lei;
V- ter sido aprovado em exame de saúde física, mental e psicotécnico;
VI- não ter antecedentes criminais registrados; e
VII- estar quite com as obrigações eleitorais e militares 

Empresas que utilizam pessoal do próprio quadro de empregados para vigiar o local, sem o uso de armas, não estão obrigados a observar as regras da legislação que regulamenta as atividades de vigilância, segurança privada e transporte de valores, tampouco os direitos normativos da categoria dos vigilantes.
Assim, os vigias e porteiros não fazem jus aos direitos trabalhistas e benefícios destinados aos vigilantes e guardas de segurança. 

II. Desvio de função

É importante alertar que para escapar de maiores custos, muitos empregadores contratam vigilantes, para trabalharem em atividades de risco, e sonegam os direitos do profissional, através de fraude trabalhista.
A fraude consiste em registrar no contrato de trabalho e na CTPS o nome da função errada: ao invés de fazer constar vigilante ou guarda de segurança, é anotada a função de vigia, por exemplo.
Tal situação configura um desvio de função, que prejudica o trabalhador nos aspectos financeiros, como no pagamento de adicional de risco de vida, por exemplo, bem como na comprovação de experiência no exercício da função.
O desvio de função pode ser reclamado pelo trabalhador por meio de ação trabalhista. 

III. A nova hipótese legal de pagamento de adicional de periculosidade em benefício dos vigilantes

Em 10/12/2012 entrou em vigor a Lei nº 12.740/2012, que alterou o art. 193 da Consolidação das Leis do Trabalho, a fim de redefinir os critérios para caracterização das atividades ou operações perigosas, acrescentando mais uma hipótese de periculosidade no trabalho: atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial com risco acentuado por exposição a roubos ou outras espécies de violência física.
Assim, o art. 193 consolidado passou a vigorar com as seguintes alterações: 

"Art. 193. São consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, aquelas que, por sua natureza ou métodos de trabalho, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a:
I - inflamáveis, explosivos ou energia elétrica;
II - roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial.
.........................................................................................................
§ 3º Serão descontados ou compensados do adicional outros da mesma natureza eventualmente já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo."  

O trabalhador que exerce atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial e que trabalhar com risco acentuado por exposição a roubos ou outras espécies de violência física passou a ter direito ao pagamento de adicional de periculosidade, equivalente a 30% da efetiva remuneração.
Ainda, o novo §3º do art. 193 autoriza o desconto ou compensação do adicional de periculosidade com outros da mesma natureza já concedidos ao vigilante por meio de acordo coletivo, que é a norma pactuada entre o empregador (própria empresa, sem o sindicato patronal) e o sindicato da categoria dos empregados.
Conforme antes analisado, os destinatários do adicional de periculosidade decorrente da hipótese constante no inc. II do art. 193 da CLT são os profissionais de segurança pessoal ou profissional, que exercem funções de vigilância e segurança.
Ou seja, os trabalhadores que fazem jus ao pagamento do adicional de periculosidade previsto no art. 193, inc. II da CLT são os VIGILANTES e/ou GUARDAS DE SEGURANÇA, profissionais que se distinguem das funções de porteiro, vigia, guariteiro, atendente de portaria e similares, porque estas não são atinentes a vigilância e segurança, mas, sim, a asseio e conservação. 

IV. Dúvidas sobre a necessidade de regulamentação do adicional de periculosidade pelo Ministério do Trabalho e Emprego

A questão do pagamento do adicional de periculosidade previsto no inc. II do art. 193 da CLT ainda não é definida e pacificada, visto que ainda resta pendente a regulamentação da matéria pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Inclusive, em fevereiro do ano corrente a Associação Brasileira das Empresas de Vigilância (ABREVIS) obteve liminar na Justiça do Trabalho no sentido de suspender provisoriamente a exigibilidade do pagamento de adicional de periculosidade aos vigilantes (Processo nº242/2013 da 42ª vara do Trabalho de São Paulo – TRT2).
De acordo com a Juíza do Trabalho Lycanthia Ramage, que deferiu a liminar acima mencionada, o pagamento do adicional de periculosidade não deve ser imediato, pois depende de prévia regulamentação do MTE: 

"A prévia regulamentação pelo Ministério do Trabalho e Emprego é necessária a fim de especificar as funções que teriam exposição permanente do trabalhador a, no caso, roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial". 

Cumpre ponderar que o caso acima apontado, referente a ABREVIS, serve apenas para ilustrar um forte posicionamento jurídico de que é necessária a regulamentação por parte da MTE.
Existem opiniões divergentes entre os juristas, sendo que muitos, como o renomado Desembargador Sergio Pinto Martins, autor de diversos livros e artigos doutrinários, entendem que o empregado de empresa de vigilância que trabalha em banco, por exemplo, já tem direito ao adicional de periculosidade, conforme fundamento abaixo:
 “o §3º do art. 193 da CLT dá a entender que o pagamento do adicional de periculosidade por roubo é imediato, pois será compensado com o que já vinha sendo pago em decorrência da previsão na norma coletiva”. (MARTINS, Sergio Pinto. O Adicional de Periculosidade e a Lei nº 12.740/2012. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, São Paulo, v. 24, n. 284, fev. 2013. p. 91.) 

Sobre a necessidade de regulamentação, Sergio Pinto Martins explica o seguinte: 
A regulamentação tem de ser feita quanto ao adicional de periculosidade em energia elétrica e quanto a outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal ou patrimonial. As atividades em contato com inflamáveis e explosivos já estão regulamentadas na NR 16 da Portaria nº 3.214/1978”. (MARTINS, Sergio Pinto. O Adicional de Periculosidade e a Lei nº 12.740/2012. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, São Paulo, v. 24, n. 284, fev. 2013. p. 91.)

REFERÊNCIAS:

ABUD, Claudia Jose. Jornada de Trabalho e a Compensação de Horários. São Paulo: Atlas, 2008.
BARROS, Alice Monteiro de. Curso de Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2008.
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
COSTA, Rosania de Lima; SIMÃO, Ligia Bianchi Gonçalves. Profissões Regulamentadas. São Paulo: Cenofisco, 2012.
MARTINS, Sergio Pinto. Comentários às Súmulas do TST. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2006.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
MARTINS, Sergio Pinto. O Adicional de Periculosidade e a Lei nº 12.740/2012. Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária, São Paulo, v. 24, n. 284, fev. 2013.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro do. Curso de Direito do Trabalho. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34 ed. São Paulo: LTr, 2009.
OLIVEIRA, Aristeu de. Manual de Prática Trabalhista. 44 ed. São Paulo: Atlas, 2010.
SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho. 10 ed.  São Paulo: Método, 2009.