quinta-feira, 27 de março de 2014

Trabalho Decente e Pleno Emprego


Você já ouviu falar em “Trabalho Decente”?
Se você nunca ouviu falar ou até ouviu, mas não sabe o que é, deve continuar lendo este pequeno ensaio.


A Organização Internacional do Trabalho (OIT) defende o “Trabalho Decente” que é definido como um "trabalho adequadamente remunerado, exercido em condições de liberdade, equidade e segurança, capaz de garantir uma vida digna".
O trabalho decente representa uma missão da OIT, pautada em quatro objetivos estratégicos: [1]

1) liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva;
2) eliminação de todas as formas de trabalho forçado;
3) abolição efetiva do trabalho infantil;
4) eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação, a promoção do emprego produtivo e de qualidade, a extensão da proteção social e o fortalecimento do diálogo social.

A Constituição Federal de 1988 consagra no seu art. 170 que a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios elencados em seus incisos, dentre os quais a busca do pleno emprego (inciso VIII).
Em que pesem os valores do pleno emprego e do trabalho decente serem reconhecidos como fundamentais para a dignidade do trabalhador e para sua emancipação social, verifica-se o constante desrespeito a um dos direitos mais básicos: o reconhecimento do vínculo empregatício.
Um dos maiores problemas que atingem o Direito do Trabalho contemporâneo é a fraude trabalhista efetivada por empregadores que contratam trabalhadores sem a formalização do contrato de emprego.
As situações de fraudes são variadas: desde a prestação de trabalho informal sem registro até a celebração de contratos escritos fraudulentos, que negam o vínculo de emprego, inobstante, na prática, o prestador de serviço labore como típico empregado.
Um dos expedientes mais utilizados para burlar a lei consiste na contratação de um empregado como prestador de serviço autônomo, para tentar mascarar a característica mais importante para a configuração de um vínculo empregatício: a subordinação jurídica do trabalhador em relação ao empregador.
Ou seja, relações empregatícias são mascaradas por contratos de prestação de serviços autônomos, de estágio, de serviço voluntário, cooperativas, “pejotizações”, sociedades e muitos outros tipos, inobstante o trabalhador trabalhe com subordinação, tal como um empregado.
O empregado foi transformado em mero “colaborador”,  e fica com sua CTPS em branco, sem FGTS, sem PIS e diversos benefícios sociais que um contrato de emprego pode gerar.
A fase contemporânea do Direito do Trabalho sofre o impacto de constantes transformações, decorrentes da evolução dos tempos: mudanças na economia brasileira e mundial, com destaque para a passagem de uma economia de inflação para uma economia de estabilidade resultante do Plano Real; desemprego; globalização; terceirização; fusões de empresas; multiplicação de sindicatos; livre negociação dos salários. [2]
Ainda, não podemos olvidar outras consequências da modernização, tais como a evolução tecnológica, a informática, o ingresso em massa da mulher no mercado de trabalho, o surgimento de novas profissões, bem como a extinção de antigos ofícios, que também repercutem no Direito do Trabalho.
De um país agrícola, o Brasil evoluiu para um país emergente e industrializado e que sente a competitividade.
Assim, surgem novos paradigmas para o Direito Laboral, que passa a ser desafiado por ideais neoliberais que objetivam desregulamentar os direitos trabalhistas.
Como efeito, cresce a contratação de trabalhadores sem vínculo de emprego, com o intuito de aumentar os lucros e evitar custos decorrentes da folha de pagamento, o que acaba deixando muitos trabalhadores à margem da formalidade, em situação que não se coaduna com os valores do trabalho decente e do pleno emprego.
Verifica-se um grande número de ações trabalhistas ajuizadas por trabalhadores que reclamam o vínculo de emprego e ao mesmo tempo denunciam fraudes trabalhistas. Em pleno século XXI é comum o trabalho escravo, que vem sendo denominado como “escravidão moderna”.
Enfim, a realidade é dura e mostra práticas no nosso cotidiano que afrontam os direitos humanos dos trabalhadores ao trabalho decente e ao pleno emprego, problema que atinge desde os operários mais humildes até os trabalhadores intelectuais, desde situações análogas a escravidão até a inclusão de trabalhadores como falsos sócios nas empresas de seus empregadores.

NOTAS:

[1] Organização Internacional do Trabalho. O que é trabalho decente? Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/o-que-e-trabalho-decente  Acesso em 27 mar. 2014.
[2] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 22.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.p.56.


* Interessante vídeo sobre DIREITOS HUMANOS: http://www.youtube.com/watch?v=uCnIKEOtbfc


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ALVARENGA, Rubia Zanotelli de. Direito do trabalho como dimensão dos direitos humanos. São Paulo, LTr, 2009.
ALVES, Amauri Cesar. Novo contrato de emprego: parassubordinação trabalhista. São Paulo, LTr, 2004.
ARAUJO NETTO, Jose Nascimento. Liberalismo e Justiça do Trabalho: seis décadas de confronto. Rio de Janeiro: Forense, 2006.
BARZOTTO, Luciane Cardoso. Direitos humanos e trabalhadores: atividade normativa da Organização Internacional do Trabalho e os limites do Direito Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
CASSAR, Vólia Bonfim. Princípios trabalhistas, novas profissões, globalização da economia e flexibilização das normas trabalhistas. Rio de Janeiro: Impetus, 2010.
CORREIA, Rosani Portela. Novos paradigmas do contrato de trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2008.
FELICIANO, Guilherme Guimaraes. Curso crítico de direito do trabalho: teoria geral do direito do trabalho. São Paulo: Saraiva, 2013.
MEIRELES. Edilton. O Novo Código Civil e o Direito do Trabalho. 3. ed. São Paulo: Ltr, 2005.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 22.ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
Organização Internacional do Trabalho. O que é trabalho decente? Disponível em: <http://www.oitbrasil.org.br/content/o-que-e-trabalho-decente>  Acesso em 27 mar. 2014.
PIOVESAN, Flavia; CARVALHO, Luciana Paula Vaz de. Direitos humanos e direito do trabalho. São Paulo: Atlas, 2010.
VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de emprego: estrutura legal e supostos. 3. ed. São Paulo: Ltr, 2005.

domingo, 9 de março de 2014

Mulher tem direito a intervalo de 15 minutos antes da jornada extra




Nesta semana o mundo inteiro está celebrando o Dia Internacional da Mulher (08 de março).
A mulher de hoje sente os efeitos da conquista dos seus direitos e os avanços nas equiparações com os homens, em especial na seara profissional. 
Junto com as modificações ocorridas nas últimas décadas, a mulher conquistou espaço, independência e valorização. Também ganhou muitos ônus, notadamente a dupla jornada, ou, muitas vezes, tripla jornada: (1) trabalha fora; (2) estuda; (3) cuida do lar e da família.
Infelizmente, muitas mulheres desconhecem a maior parte dos seus direitos trabalhistas.
Um direito antigo das mulheres, garantido pela CLT, em seu artigo 384, refere-se a um intervalo especial de descanso para as mulheres, de no mínimo 15 minutos, antes do início da jornada extraordinária (hora extra de trabalho/serão*). Segue abaixo a redação do artigo 384 da CLT:

Art. 384 - Em caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15 (quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do trabalho.

Na prática, o direito acima parece ter caído em desuso, razão pela qual o direito em questão tem sido reclamado em ações trabalhistas.
Com o advento da Constituição Federal de 1988, homens e mulheres foram igualados em direitos e obrigações, conforme inciso I do seu artigo 5º:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
[...]

Diante da norma constitucional acima, surgiu o entendimento de que o artigo 384 da CLT não tinha sido recepcionado pela Constituição Federal, ou seja, o direito do intervalo especial da mulher estaria revogado.
Após muitos debates e divergências jurisprudenciais, o Pleno do TST julgou e rejeitou um incidente de inconstitucionalidade do artigo 384 da CLT (IINRR-1540/2005-046-12-00.5) e decidiu que o intervalo em tela continua vigente, reconhecendo as particularidades físicas da mulher e sua dupla jornada. Vejamos um trecho da decisão em análise:

"levando-se em consideração a máxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, ao ônus da dupla missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária, sendo de rejeitar a pretensa inconstitucionalidade do art. 384 da CLT" (Relator Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, 17.11.2008).

Todavia, a polêmica persiste e muitos Juízes entendem que artigo 384 da CLT não foi recepcionado pela Constituição Federal, razão pela qual indeferem o direito nas primeiras instâncias. Além do mais, muitos juristas entendem que o direito em comento é prejudicial para a mulher, porque a discrimina no mercado de trabalho.
Ainda, muitos trabalhadores homens postulam o direito ao intervalo especial previsto no artigo 384 da CLT, buscando equiparação com as mulheres. A questão é muito polêmica e são raras as decisões que deferem o direito para a classe laborista masculina. Inclusive, muitos homens fundamentam seus pleitos com um trecho da decisão abaixo:

"TRABALHO DA MULHER - INTERVALO PARA DESCANSO PREVISTO NO ARTIGO 384 DA CLT. I - Conquanto homens e mulheres, à luz do inciso I do artigo 5º da Constituição da República/88, sejam iguais em direitos e obrigações, é forçoso reconhecer que elas se distinguem dos homens, sobretudo em relação às condições de trabalho, pela sua peculiar identidade biossocial. II - Inspirado nela é que o legislador, no artigo 384 da CLT, concedeu às mulheres, no caso de prorrogação da jornada normal, um intervalo de quinze minutos antes do início do período de sobretrabalho, cujo sentido protetivo, claramente discernível na ratio legis da norma consolidada, afasta, a um só tempo, a pretensa agressão ao princípio da isonomia e a avantajada idéia de capitis deminutio em relação às mulheres. III - Aliás, a se levar às últimas consequências o que prescreve o inciso I do artigo5º da Constituição, a conclusão então deveria ser no sentido de estender aos homens o mesmo direito reconhecido às mulheres, considerando a penosidade inerente ao sobretrabalho, comum a ambos os sexos, e não a que preconizam aqui e acolá de o princípio da isonomia, expresso também no tratamento desigual dos desiguais na medida das respectivas desigualdades, prestar-se como fundamento para a extinção do direito consagrado no artigo 384 da CLT. IV - Nesse sentido, consolidou-se a jurisprudência desta Corte, no julgamento do Processo nº TST-IIN-RR-1.540/2005-046-12-00.5, ocorrido na sessão do Pleno do dia 17.11.2008, em acórdão da relatoria do Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho. V - Recurso conhecido e desprovido." (TST-RR-1040/2005-046-12-00.3, 4ª Turma, Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen, DJ 27/03/2009)

Não seria mais razoável existir um intervalo antes do início da jornada extraordinária para ambos os sexos? 
A sobrejornada é penosa para qualquer ser humano, independente do sexo e idade. Ademais, o intervalo antes do serão tem valor sanitário, para que o trabalhador possa satisfazer necessidades biológicas básicas (uso de banheiro, lanche, descanso...), bem como é útil, por exemplo, para quem tem filhos e precisa tomar alguma providência, tal como um simples contato telefônico com algum familiar referente a busca do seu filho na creche ou escola.

* SERÃO: De acordo com o Dicionário Michaelis “FAZER SERÃO” significa “trabalhar fora das horas habituais”.

dc

"A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Os mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se eqüivalessem. Esta blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização e a humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do trabalho, a organização da miséria". (Trecho do discurso de paraninfo “Oração aos Moços”, na Faculdade de Direito de São Paulo, em Obras Completas de Rui Barbosa. v. 48, t. 2, 1921).

dc

Referências bibliográficas:

CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CASSAR, Volia Bomfim. Direito do Trabalho. 8 ed. São Paulo: Método, 2013.
OLIVEIRA, Cínthia Machado de; DORNELES, Leandro Amaral D. de. Direito do Trabalho. 2. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013.
OLIVEIRA, Eleonora Menicucci de. A mulher, a sexualidade e o trabalho. São Paulo: Hucitec, 1999.

Comentário da Autora: A foto que ilustra este post é um mimo que ganhei do meu querido esposo na manhã do último 08 de março. Ele é uma pessoa especial e que colabora para que minha tripla jornada não seja tão desgastante.

Textos relacionados:

"A Mulher que notou os operários: Tarsila do Amaral", disponível em: