Nesta semana o mundo inteiro está celebrando o Dia Internacional da Mulher (08 de março).
A mulher de hoje sente os efeitos da conquista dos seus direitos e os avanços nas equiparações com os homens, em especial na seara profissional.
Junto com as modificações
ocorridas nas últimas décadas, a mulher conquistou espaço, independência e
valorização. Também ganhou muitos ônus, notadamente a dupla jornada, ou, muitas
vezes, tripla jornada: (1) trabalha fora;
(2) estuda; (3) cuida do lar e da família.
Infelizmente, muitas mulheres
desconhecem a maior parte dos seus direitos trabalhistas.
Um direito antigo das mulheres,
garantido pela CLT, em seu artigo 384, refere-se a um intervalo especial de
descanso para as mulheres, de no mínimo 15 minutos, antes do início da jornada
extraordinária (hora extra de trabalho/serão*). Segue abaixo a redação do artigo
384 da CLT:
Art. 384 - Em
caso de prorrogação do horário normal, será obrigatório um descanso de 15
(quinze) minutos no mínimo, antes do início do período extraordinário do
trabalho.
Na prática, o direito acima
parece ter caído em desuso, razão pela qual o direito em questão tem sido
reclamado em ações trabalhistas.
Com o advento da Constituição
Federal de 1988, homens e mulheres foram igualados em direitos e obrigações,
conforme inciso I do seu artigo 5º:
Art. 5º Todos são
iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos
brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito
à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes:
[...]
Diante da norma constitucional acima,
surgiu o entendimento de que o artigo 384 da CLT não tinha sido recepcionado
pela Constituição Federal, ou seja, o direito do intervalo especial da mulher
estaria revogado.
Após muitos debates e
divergências jurisprudenciais, o Pleno do TST julgou e rejeitou um incidente de
inconstitucionalidade do artigo 384 da CLT (IINRR-1540/2005-046-12-00.5) e decidiu
que o intervalo em tela continua vigente, reconhecendo as particularidades físicas
da mulher e sua dupla jornada. Vejamos um trecho da decisão em análise:
"levando-se
em consideração a máxima albergada pelo princípio da isonomia, de tratar
desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, ao ônus da dupla
missão, familiar e profissional, que desempenha a mulher trabalhadora
corresponde o bônus da jubilação antecipada e da concessão de vantagens
específicas, em função de suas circunstâncias próprias, como é o caso do
intervalo de 15 minutos antes de iniciar uma jornada extraordinária, sendo de
rejeitar a pretensa inconstitucionalidade do art. 384 da CLT" (Relator Ministro Ives Gandra
da Silva Martins Filho, 17.11.2008).
Todavia, a polêmica persiste e
muitos Juízes entendem que artigo 384 da CLT não foi recepcionado pela
Constituição Federal, razão pela qual indeferem o direito nas primeiras
instâncias. Além do mais, muitos juristas entendem que o direito em comento é
prejudicial para a mulher, porque a discrimina no mercado de trabalho.
Ainda, muitos trabalhadores
homens postulam o direito ao intervalo especial previsto no artigo 384 da CLT,
buscando equiparação com as mulheres. A questão é muito polêmica e são raras as
decisões que deferem o direito para a classe laborista masculina. Inclusive,
muitos homens fundamentam seus pleitos com um trecho da decisão abaixo:
"TRABALHO DA
MULHER - INTERVALO PARA DESCANSO PREVISTO NO ARTIGO 384 DA CLT. I -
Conquanto homens e mulheres, à luz do inciso I do artigo 5º da
Constituição da República/88, sejam iguais em direitos e obrigações, é
forçoso reconhecer que elas se distinguem dos homens, sobretudo em relação às
condições de trabalho, pela sua peculiar identidade biossocial. II - Inspirado
nela é que o legislador, no artigo 384 da CLT, concedeu às mulheres, no
caso de prorrogação da jornada normal, um intervalo de quinze minutos antes do
início do período de sobretrabalho, cujo sentido protetivo, claramente
discernível na ratio legis da norma consolidada, afasta, a um só tempo, a
pretensa agressão ao princípio da isonomia e a avantajada idéia de capitis
deminutio em relação às mulheres. III - Aliás, a se levar às últimas
consequências o que prescreve o inciso I do artigo5º da Constituição,
a conclusão então deveria ser no sentido de estender aos homens o mesmo direito
reconhecido às mulheres, considerando a penosidade inerente ao sobretrabalho,
comum a ambos os sexos, e não a que preconizam aqui e acolá de o princípio da
isonomia, expresso também no tratamento desigual dos desiguais na medida das
respectivas desigualdades, prestar-se como fundamento para a extinção do
direito consagrado no artigo 384 da CLT. IV - Nesse sentido, consolidou-se
a jurisprudência desta Corte, no julgamento do Processo nº
TST-IIN-RR-1.540/2005-046-12-00.5, ocorrido na sessão do Pleno do dia
17.11.2008, em acórdão da relatoria do Ministro Ives Gandra da Silva Martins
Filho. V - Recurso conhecido e desprovido." (TST-RR-1040/2005-046-12-00.3,
4ª Turma, Rel. Min. Antônio José de Barros Levenhagen, DJ 27/03/2009)
Não seria mais razoável existir
um intervalo antes do início da jornada extraordinária para ambos os
sexos?
A sobrejornada é penosa para
qualquer ser humano, independente do sexo e idade. Ademais, o intervalo antes
do serão tem valor sanitário, para que o trabalhador possa satisfazer
necessidades biológicas básicas (uso de banheiro, lanche, descanso...), bem
como é útil, por exemplo, para quem tem filhos e precisa tomar alguma
providência, tal como um simples contato telefônico com algum familiar referente
a busca do seu filho na creche ou escola.
* SERÃO: De acordo com o Dicionário Michaelis
“FAZER
SERÃO” significa “trabalhar fora
das horas habituais”.
dc
"A regra da
igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida
em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade
natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. Os mais são desvarios da
inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a
desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os
apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo,
não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se
todos se eqüivalessem. Esta blasfêmia contra a razão e a fé, contra a civilização
e a humanidade, é a filosofia da miséria, proclamada em nome dos direitos do
trabalho; e, executada, não faria senão inaugurar, em vez da supremacia do
trabalho, a organização da miséria". (Trecho do
discurso de paraninfo “Oração aos Moços”, na Faculdade de Direito de São Paulo,
em Obras Completas de Rui Barbosa. v. 48, t. 2, 1921).
dc
Referências
bibliográficas:
CARRION, Valentin. Comentários à
Consolidação das Leis do Trabalho. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
CASSAR, Volia Bomfim. Direito do
Trabalho. 8 ed. São Paulo: Método, 2013.
OLIVEIRA, Cínthia Machado de; DORNELES, Leandro Amaral D. de. Direito do Trabalho. 2. ed. Porto
Alegre: Verbo Jurídico, 2013.
OLIVEIRA,
Eleonora Menicucci de. A mulher, a
sexualidade e o trabalho. São Paulo: Hucitec, 1999.
Comentário da Autora: A foto que ilustra este post é um mimo que ganhei do meu querido esposo na manhã do último 08 de março. Ele é uma pessoa especial e que colabora para que minha tripla jornada não seja tão desgastante.
Comentário da Autora: A foto que ilustra este post é um mimo que ganhei do meu querido esposo na manhã do último 08 de março. Ele é uma pessoa especial e que colabora para que minha tripla jornada não seja tão desgastante.
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"A Mulher que notou os operários: Tarsila do Amaral", disponível em:
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http://ellenwother.blogspot.com.br/2012/03/dia-internacional-da-mulher_4317.html