Gerente, esposa e dois filhos permaneceram quase 20 horas com sequestradores.
A juíza Ana Carolina Simões Silveira, titular da Vara do Trabalho de
Ribeirão das Neves, condenou uma instituição bancária a indenizar por
danos morais um gerente que vivenciou momentos de terror em 2015. Ele,
esposa e dois filhos menores foram sequestrados e separados, sofrendo
ameaças e tortura verbal durante toda a noite, enquanto criminosos
aguardavam a abertura do cofre da agência onde o bancário trabalhava em
Lagoa Santa-MG.
Para a magistrada, a relação do crime com a função exercida pelo
trabalhador ficou evidente. Aplicou ao caso a responsabilidade objetiva,
que não depende da demonstração de culpa, conforme previsto no artigo
927, parágrafo único, do Código Civil. “Por óbvia dedução e
interpretação permitida pelo legislador, tem-se que a atividade bancária
é considerada de risco, mormente pela função exercida pelo empregado.
Há acesso ao interior de instituição financeira e vultosos montantes,
ensejadores de maior risco”, registrou na sentença. A condenação, fixada
em R$ 400 mil, foi reduzida para R$ 250 mil pelos julgadores do TRT de
Minas e, posteriormente, os envolvidos celebraram acordo.
Em defesa, o banco não negou os fatos, mas sustentou que não havia “nexo
de causalidade” com o trabalho, por considerar sequestros como “casos
fortuitos”, além de afirmar que não poderia ser “penalizado por um fato
que não deu causa”. Apontou, ainda, que ofereceu sempre todo o aparato
de segurança e apoio multidisciplinar a seus empregados. Mas a julgadora
não acatou os argumentos.
Quase 20 horas de sequestro
Boletim de ocorrência policial anexado ao processo indicou que a
tentativa de extorsão mediante sequestro teve início por volta das 19h
do dia 14/9/2015 e terminou às 15h do dia seguinte. Foram quase 20 horas
de uma ação que envolveu também a esposa e os dois filhos menores do
gerente, à época com 13 e 17 anos.
O gerente alegou, na reclamação trabalhista, que foi rendido quando
chegava em casa. Os bandidos alertaram que, se fizesse tudo o que
pediam, daria tudo certo, “caso contrário, morreria todo mundo”. Eles
afirmaram conhecer toda a rotina da família, assim como a de empregados
do banco.
Empregada do banco acionou o alarme
O sequestro durou a noite toda e o gerente foi separado dos familiares,
todos feitos reféns. No dia seguinte, conforme determinado pelos
criminosos, o profissional seguiu para a agência, para conseguir que
entrassem no local. Entretanto, após ele comunicar aos colegas de
trabalho o ocorrido e pedir a abertura do cofre, uma das empregadas do
banco acionou o alarme. Imediatamente, os bandidos entraram em contato
para dizer que sua família “iria morrer”. Somente mais tarde soube que a
família havia sido libertada na cidade de Florestal. O encontro com os
familiares ocorreu horas depois, com a narrativa de sua esposa sobre a
fuga do cativeiro, após os bandidos deixarem o local.
Para a magistrada, o contexto apurado faz presumir o dano suportado pelo
trabalhador. Além disso, testemunha confirmou os momentos de abalo
psicológico sofrido dentro da agência bancária, motivados pelo
sequestro. Conforme relatou, no dia do sequestro, ao chegarem à
agência, os empregados tomaram conhecimento de que os assaltantes
estavam do lado de fora “observando a gente trabalhar”. Em determinado
momento, o gerente começou a chorar e falou que sua família estava
sequestrada. Foi quando uma colega acionou o alarme do banco e “uma voz
começou a falar: essa agência está sendo monitorada” e “começou a chegar
um tanto de polícia”. Segundo a testemunha, quando o empregado voltou a
trabalhar, estava totalmente abatido. Na decisão, a juíza chamou a
atenção para a conduta adotada pelo banco diante da situação. “O momento
vivenciado pelo gerente exigia, por parte da empresa, maior respaldo de
segurança e treinamento para momentos como o presente, para amenizar a
sua situação e de seus familiares, que se encontravam sob grave ameaça”,
ponderou.
Sofrimento psíquico
Perícia médica reconheceu “o nexo de causalidade entre o evento danoso e
violento sofrido pelo gerente e o desencadeamento de seu sofrimento
psíquico”. O laudo apontou que o trabalhador “apresenta quadro
compatível com Transtorno de Estresse Pós-traumático, desencadeado por
extrema violência psíquica e emocional vivenciada após sofrer,
juntamente com sua família, sequestro, onde os meliantes objetivavam
roubar a instituição bancária a qual era gerente e tinha acesso”.
Houve concessão do auxílio-doença acidentário (espécie 91) ao empregado,
reportando-se a decisão ao artigo 7º da Constituição Federal, que
assegura como direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de
outros que visem à melhoria de sua condição social, seguro contra
acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a
que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa (inciso
XXVIII).
Responsabilidade objetiva
Além de reputar desnecessária a prova de dolo ou culpa do empregador,
considerando que os riscos da atividade empresarial já denotam a
responsabilidade objetiva, a decisão salientou que os riscos do negócio
não podem ser repassados aos empregados, nos termos do artigo 2º da CLT.
Foi registrada decisão do TRT de Minas em caso similar, aplicando a
responsabilidade objetiva à instituição financeira (PJe:
0010504-49.2020.5.03.0101).
Negligência e culpa do empregador
De todo modo, para a magistrada, houve também negligência da instituição
financeira, apta a caracterizar a culpa pelos danos morais suportados
pelo trabalhador. Uma testemunha declarou que os “empregados não
realizaram nenhum treinamento depois do ocorrido” e que “não recebeu
curso sobre segurança quando foi admitido pelo banco”. Em depoimento, o
gerente também afirmou que não houve treinamento e esclareceu que o
atendimento psicológico cessou, pois a psicóloga disse que ele “deveria
procurar um atendimento especializado, pois não era sua área mais”.
Nesse contexto, a julgadora considerou que, apesar de haver métodos de
segurança no interior da agência, houve culpa do banco ao não fornecer
treinamentos aos empregados para, ao menos, reduzir os riscos da
atividade exercida. Ela reconheceu a afronta ao artigo 7º, inciso XXII,
da Constituição, que estabelece como direito social a "redução dos
riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e
segurança".
Indenização por danos morais
A decisão reconheceu a responsabilidade civil do empregador, tanto pelo
enfoque objetivo, quanto subjetivo. O perito esclareceu que o
profissional estava apto ao trabalho, porém era exigido mais esforço
pela manutenção do sofrimento psíquico, que foi amenizado, mas não
abolido. O banco foi condenado a pagar indenização de R$ 400 mil ao
trabalhador. “Considerando globalmente os danos sofridos pelo obreiro,
face à gravíssima situação vivenciada, que causou e ainda gera
considerável abalo psíquico a ele e à família, a doença ocupacional, a
negligência da empresa e o tempo em que esteve aquele exposto a tal
momento degradante, tem-se como fixada a indenização por danos morais”,
registrou a sentença.
Em grau de recurso, os julgadores do TRT de Minas reduziram o valor para
R$ 250 mil. Constou do acórdão proferido pelos integrantes da Sexta
Turma que “ainda que o sequestro não tenha ocorrido na própria agência,
resta claro que o objetivo dos criminosos era o patrimônio do banco, não
o do trabalhador, o que equivale dizer que o sequestro se deu em face
do vínculo de emprego com o banco e, em especial, em decorrência do
cargo de gerente da agência”.
Posteriormente, as partes celebraram acordo. O processo foi arquivado definitivamente.
Processo PJe: 0011712-22.2017.5.03.0021
Fonte: Conselho Superior da Justiça do Trabalho. Disponível em: https://www.csjt.jus.br/web/csjt/-/justi%C3%A7a-do-trabalho-condena-banco-a-indenizar-gerente-sequestrado-com-a-fam%C3%ADlia-em-2015