domingo, 15 de setembro de 2013

Inventor de máquina de desencarteirar e recuperar cigarros tem seu trabalho intelectual reconhecido e será indenizado

Uma grande Companhia produtora de cigarros terá que pagar indenização de R$ 33.000,00 a um engenheiro de produção que participou no processo de criação de uma máquina para a empresa, conforme decisão da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que confirmou a condenação estabelecida em primeira instância e mantida no segundo grau.
A indenização está prevista no art. 89, parágrafo único e art.  91, § 2º, da Lei de Propriedade Industrial - Lei 9.279/1996.
Conforme informado pelo ex-funcionário em sua reclamatória trabalhista, no período em que trabalhou na empresa, o engenheiro foi o idealizador, inventor e responsável por todo o processo de desenvolvimento da máquina.
A invenção consiste em um equipamento que desmancha carteiras de cigarros rejeitadas no processo normal de produção por defeitos de alguns cigarros ou da própria embalagem e recupera os cigarros.



De acordo com o reclamante, antes de inventar o equipamento, o trabalho tinha que ser realizado de forma manual por aproximadamente 48 empregados, que ficavam expostos ao risco de desenvolver doenças ocupacionais e contaminação pelo produto.
Ainda, o desenvolvimento do equipamento partiu de uma sugestão do Departamento de Engenharia de Processo da companhia, que visava redução de custos e aumento de produtividade.
Graças à máquina, a Companhia logrou recuperar 960.000 cigarros por dia, o que gerou lucro de R$ 132.000,00. Diante do exposto, pedia a condenação da empresa ao pagamento de 50% do total das vantagens geradas desde o início do funcionamento produtivo da máquina, no ano de 2004.
Na sentença foi concedida indenização ao reclamante por considerar comprovada a participação efetiva do engenheiro no desenvolvimento e no aperfeiçoamento da invenção, tendo em vista que o reclamante foi admitido como mecânico, o que descaracterizaria sua contratação específica com o objetivo de pesquisa e atividade inventiva, não consistindo, assim, em invenção de serviço conforme o art. 88 da Lei de Propriedade Industrial, mas sim de invenção resultante da contribuição pessoal do empregado com recursos, materiais, instalações ou equipamentos da empresa, nestes casos a propriedade será comum, prevista na no art. 91 do mesmo diploma legal.
Na segunda instância, ao apreciar o recurso da empresa, o Tribunal manteve a sentença, conforme pode ser visto na ementa do acórdão:

“EMENTA: INVENÇÃO DE MAQUINÁRIO – MÁQUINA DE DESENCARTEIRAR E RECUPERAR CIGARROS - “DISPOSITIVO ESPERANÇA” - AUTORIA E CO-AUTORIA – APLICABILIDADE DA LEI N. 9.279/96 – CONTRIBUIÇÃO PESSOAL DO EMPREGADO NO APERFEIÇOAMENTO DA MÁQUINA – A interpretação que se dá à Lei n. 9.279/96, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, em seu artigo 91, §2º, é no sentido de que o empregador deve pagar ao empregado uma “justa remuneração”, na hipótese em que o trabalhador contribui com sua atividade intelectiva e irradiada de sua personalidade, para criação e/ou aperfeiçoamento de invento, cujo produto será revertido em benefício da exploração econômica do empreendedor. In casu, o acervo probatório comprova que o Reclamante, valendo-se de suas aptidões intelectivas, colaborou no desenvolvimento e aperfeiçoamento da máquina apelidada de “UM SC 30” – “Projeto “Esperança” - extrapolando suas obrigações contratuais, para se enquadrar no permissivo legal em comento. Sentença que se mantém.”

A empresa recorreu ao Tribunal Superior do Trabalho e seu recurso não foi provido. Conforme o Ministro Renato de Lacerda Paiva, relator do recurso, o Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais reconheceu o direito à indenização não por ser o trabalhador o inventor, mas sim por ele ter contribuído pessoalmente para o aperfeiçoamento do invento.
O caso acima refere-se ao seguinte processo do TST:

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Refletindo um pouco sobre os trabalhadores intelectuais...


Em uma época de precarização das relações trabalhistas, a decisão em comento serve como incentivo para a produção intelectual e como alerta para o necessário respeito aos direitos dos trabalhadores.
O Direito do Trabalho contemporâneo vem sendo marcado pela proletarização dos trabalhadores intelectuais, tais como os engenheiros, advogados, professores, médicos, enfermeiros, dentistas, e muitos outros.
Os trabalhadores mais qualificados tornaram-se alvos de contratações informais ou mascaradas por contratos civis, pejotizações e/ou terceirizações, muito embora a verdadeira natureza da relação seja empregatícia.
Também são verificadas contratações formalizadas, com registro na CTPS, mas mediante baixa remuneração, com jornada de trabalho irregular e extenuante e desrespeito a diversos direitos e garantias.
É vergonhoso comparar os pisos salariais de normas coletivas de trabalhadores sem curso superior, como os pedreiros, por exemplo, com o de professores e advogados. Infelizmente, constata-se que em muitos estados brasileiros, os pedreiros percebem salários superiores aos de muitos profissionais com nível superior de ensino.
Casos como o do inventor da máquina de desencarteirar e recuperar cigarros é uma constante em nosso país. As obras de muitos trabalhadores intelectuais são exploradas sem a devida contraprestação e reconhecimento moral: são invenções, projetos de engenharia, obras literárias, fotografias, obras de arte, textos, etc..., que são expropriados dos trabalhadores sem a devida compensação.
Recordo de uma sentença trabalhista na qual o Juiz do Trabalho Cesar Pritsch, ao analisar o caso concreto de um advogado empregado, ressaltou que o reclamante atuava como uma espécie de ghost writer,* visto que textos que produzia eram assinados pelo empregador, sem constar o nome do seu verdadeiro autor.
A situação degradante em análise é justificada pela redução de custos, necessária para que os negócios e empreendimentos suportem os encargos trabalhistas e fiscais. Todavia, desvalorizar o trabalho de um profissional qualificado, que estudou e estuda há muitos anos, acabará por desestimular que as pessoas se capacitem: “por que estudar se um pedreiro ganha mais que um advogado?”
Ou seja, teremos como consequência um maior índice de mão-de-obra desqualificada.
Ademais, a falta de valorização do trabalhador também afeta o seu comprometimento no trabalho, o que prejudica o negócio do empreendimento ao qual está vinculado.
Tom Rath e Jim Harter discorrem na obra “O Fator Bem-Estar” sobre os cinco elementos essenciais para uma vida pessoal e profissional de qualidade, quais sejam:
  • Bem-estar profissional
  • Bem-estar social
  • Bem-estar financeiro
  • Bem-estar físico
  • Bem-estar na comunidade
Rath e Harter concluem que o “Bem-estar profissional é indiscutivelmente o mais essencial dos cinco elementos.”
Não temos dúvidas que a valorização do trabalhador por seu tomador de serviços é fundamental para garantir o Bem-estar profissional e resultados mais benéficos tanto para o empregado quanto para o empregador.

*Conforme o site Wikipédia, a expressão GHOST WRITER significa “Escritor-fantasma” ("ghost writer", em inglês) é como se chama a pessoa que, tendo escrito uma obra ou texto, não recebe os créditos de autoria, ficando estes com aquele que o contrata ou compra o trabalho. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Ghost-writer

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“O homem é a causa criativa de tudo o que acontece.”
(Friedrich Wilhelm Nietzsche)

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Referências:

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Acórdão do recurso ordinário n. 0047400-91.2008.5.03.004. Relatora Desembargadora Maria Cristina D. Caixeta. 03 de maio de 2010. Disponível em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=7861>. Acesso em 15 set. 2013.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Sentença do processo n. 00474-2008-043-03-00-9. Juiz do Trabalho Marcel Lopes Machado. 13 de outubro de 2009. Disponível em:<http://as1.trt3.jus.br/consulta/redireciona.htm?pChvRec=043004740800&acesso=7a2b65bf83f314d6c1015ad8fc831cbc >. Acesso em 15 set. 2013.
PERCY, Allan. Tradução de Rodrigo Peixoto. Nietzche para estressados. Rio de Janeiro: Sextante, 2011. p. 73.
RATH, Tom; HARTER, Jim. Tradução de Marcos Cesar dos Santos Silva. O fator bem estar: os cinco elementos essenciais para uma vida pessoal e profissional de qualidade. São Paulo: Saraiva, 2011.