Uma grande Companhia produtora
de cigarros terá que pagar indenização de R$ 33.000,00 a um engenheiro de
produção que participou no processo de criação de uma máquina para a empresa,
conforme decisão da 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que confirmou a
condenação estabelecida em primeira instância e mantida no segundo grau.
A indenização está prevista no
art. 89, parágrafo único e art. 91, §
2º, da Lei de Propriedade Industrial - Lei 9.279/1996.
Conforme informado pelo
ex-funcionário em sua reclamatória trabalhista, no período em que trabalhou na empresa,
o engenheiro foi o idealizador, inventor e responsável por todo o processo de
desenvolvimento da máquina.
A invenção consiste em um
equipamento que desmancha carteiras de cigarros rejeitadas no processo normal
de produção por defeitos de alguns cigarros ou da própria embalagem e recupera
os cigarros.
De acordo com o reclamante,
antes de inventar o equipamento, o trabalho tinha que ser realizado de forma
manual por aproximadamente 48 empregados, que ficavam expostos ao risco de
desenvolver doenças ocupacionais e contaminação pelo produto.
Ainda, o desenvolvimento do equipamento
partiu de uma sugestão do Departamento de Engenharia de Processo da companhia,
que visava redução de custos e aumento de produtividade.
Graças à máquina, a Companhia logrou
recuperar 960.000 cigarros por dia, o que gerou lucro de R$ 132.000,00. Diante
do exposto, pedia a condenação da empresa ao pagamento de 50% do total das
vantagens geradas desde o início do funcionamento produtivo da máquina, no ano
de 2004.
Na sentença foi concedida indenização ao reclamante por considerar comprovada a participação efetiva do engenheiro no
desenvolvimento e no aperfeiçoamento da invenção, tendo em vista que o
reclamante foi admitido como mecânico, o que descaracterizaria sua contratação
específica com o objetivo de pesquisa e atividade inventiva, não consistindo,
assim, em invenção de serviço conforme o art. 88 da Lei de Propriedade
Industrial, mas sim de invenção resultante da contribuição pessoal do empregado
com recursos, materiais, instalações ou equipamentos da empresa, nestes casos a
propriedade será comum, prevista na no art. 91 do mesmo diploma legal.
Na segunda instância, ao
apreciar o recurso da empresa, o Tribunal manteve a sentença, conforme pode ser
visto na ementa do acórdão:
“EMENTA: INVENÇÃO DE
MAQUINÁRIO – MÁQUINA DE DESENCARTEIRAR E RECUPERAR CIGARROS - “DISPOSITIVO
ESPERANÇA” - AUTORIA E CO-AUTORIA – APLICABILIDADE DA LEI N. 9.279/96 –
CONTRIBUIÇÃO PESSOAL DO EMPREGADO NO APERFEIÇOAMENTO DA MÁQUINA – A
interpretação que se dá à Lei n. 9.279/96, que regula direitos e obrigações
relativos à propriedade industrial, em seu artigo 91, §2º, é no sentido de que
o empregador deve pagar ao empregado uma “justa remuneração”, na hipótese em
que o trabalhador contribui com sua atividade intelectiva e irradiada de sua
personalidade, para criação e/ou aperfeiçoamento de invento, cujo produto será
revertido em benefício da exploração econômica do empreendedor. In casu, o
acervo probatório comprova que o Reclamante, valendo-se de suas aptidões
intelectivas, colaborou no desenvolvimento e aperfeiçoamento da máquina
apelidada de “UM SC 30” – “Projeto “Esperança” - extrapolando suas obrigações
contratuais, para se enquadrar no permissivo legal em comento. Sentença que se
mantém.”
A empresa recorreu ao Tribunal
Superior do Trabalho e seu recurso não foi provido. Conforme o Ministro Renato de
Lacerda Paiva, relator do recurso, o Tribunal Regional do Trabalho de Minas
Gerais reconheceu o direito à indenização não por ser o trabalhador o inventor,
mas sim por ele ter contribuído pessoalmente para o aperfeiçoamento do invento.
O caso acima refere-se ao seguinte
processo do TST:
dc
Refletindo um pouco sobre os trabalhadores intelectuais...
Em uma época de precarização
das relações trabalhistas, a decisão em comento serve como incentivo para a
produção intelectual e como alerta para o necessário respeito aos direitos dos
trabalhadores.
O Direito do Trabalho
contemporâneo vem sendo marcado pela proletarização dos trabalhadores intelectuais,
tais como os engenheiros, advogados, professores, médicos, enfermeiros,
dentistas, e muitos outros.
Os trabalhadores mais
qualificados tornaram-se alvos de contratações informais ou mascaradas por
contratos civis, pejotizações e/ou terceirizações, muito embora a verdadeira natureza
da relação seja empregatícia.
Também são verificadas
contratações formalizadas, com registro na CTPS, mas mediante baixa remuneração,
com jornada de trabalho irregular e extenuante e desrespeito a diversos
direitos e garantias.
É vergonhoso comparar os pisos
salariais de normas coletivas de trabalhadores sem curso superior, como os
pedreiros, por exemplo, com o de professores e advogados. Infelizmente, constata-se que em
muitos estados brasileiros, os pedreiros percebem salários superiores aos de
muitos profissionais com nível superior de ensino.
Casos como o do inventor da
máquina de desencarteirar e recuperar cigarros é uma constante em nosso país.
As obras de muitos trabalhadores intelectuais são exploradas sem a devida
contraprestação e reconhecimento moral: são invenções, projetos de engenharia,
obras literárias, fotografias, obras de arte, textos, etc..., que são expropriados
dos trabalhadores sem a devida compensação.
Recordo de uma sentença
trabalhista na qual o Juiz do Trabalho Cesar Pritsch, ao analisar o caso
concreto de um advogado empregado, ressaltou que o reclamante atuava como uma
espécie de ghost writer,* visto que
textos que produzia eram assinados pelo empregador, sem constar o nome do seu
verdadeiro autor.
A situação degradante em
análise é justificada pela redução de custos, necessária para que os negócios e
empreendimentos suportem os encargos trabalhistas e fiscais. Todavia,
desvalorizar o trabalho de um profissional qualificado, que estudou e estuda há
muitos anos, acabará por desestimular que as pessoas se capacitem: “por que estudar se um pedreiro ganha mais
que um advogado?”
Ou seja, teremos como consequência
um maior índice de mão-de-obra desqualificada.
Ademais, a falta de valorização
do trabalhador também afeta o seu comprometimento no trabalho, o que prejudica o
negócio do empreendimento ao qual está vinculado.
Tom Rath e Jim Harter discorrem
na obra “O Fator Bem-Estar” sobre os cinco elementos essenciais para uma vida
pessoal e profissional de qualidade, quais sejam:
- Bem-estar
profissional
- Bem-estar
social
- Bem-estar
financeiro
- Bem-estar
físico
- Bem-estar
na comunidade
Rath e Harter concluem que o “Bem-estar profissional é indiscutivelmente
o mais essencial dos cinco elementos.”
Não temos dúvidas que a valorização
do trabalhador por seu tomador de serviços é fundamental para garantir o Bem-estar
profissional e resultados mais benéficos tanto para o empregado quanto para o
empregador.
*Conforme
o site Wikipédia, a expressão GHOST
WRITER significa “Escritor-fantasma” ("ghost
writer", em inglês) é como se chama a pessoa que, tendo escrito uma
obra ou texto, não recebe os créditos de autoria, ficando estes com aquele que
o contrata ou compra o trabalho. Disponível em:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ghost-writer
dc
“O
homem é a causa criativa de tudo o que acontece.”
(Friedrich
Wilhelm Nietzsche)
dc
Referências:
PERCY,
Allan. Tradução de Rodrigo Peixoto. Nietzche para estressados. Rio de Janeiro: Sextante, 2011. p. 73.
RATH,
Tom; HARTER, Jim. Tradução de Marcos Cesar dos Santos Silva. O
fator bem estar: os cinco elementos essenciais para uma vida pessoal e
profissional de qualidade. São Paulo: Saraiva, 2011.