segunda-feira, 24 de junho de 2013

CLÁUSULAS COLETIVAS INVÁLIDAS


A respeito das convenções coletivas, no art. 611 da CLT consta o seguinte:

Art. 611 - Convenção Coletiva de Trabalho é o acôrdo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho. 
§ 1º É facultado aos Sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais emprêsas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da emprêsa ou das acordantes respectivas relações de trabalho.
§ 2º As Federações e, na falta desta, as Confederações representativas de categorias econômicas ou profissionais poderão celebrar convenções coletivas de trabalho para reger as relações das categorias a elas vinculadas, inorganizadas em Sindicatos, no âmbito de   suas representações.

Conforme bem observado por Renato Saraiva [1]: “a única diferença entre convenção e acordo coletivo de trabalho é quanto aos signatários”.
No caso da Convenção Coletiva de Trabalho (CCT), os signatários são os sindicatos que representam os empregados e os patrões (sindicato dos trabalhadores e sindicato patronal).
Já o Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) é assinado entre o empregador (própria empresa, sem o sindicato patronal) e o sindicato da categoria dos empregados.
Ainda, as convenções e acordos coletivos de trabalho são fontes formais autônomas de direito do trabalho.
As fontes formais consistem nos mecanismos de a norma ingressar e se expressar na ordem jurídica, podendo se vislumbrar sua positividade.
O Mestre Mozart Victor Russomano conceituou fontes formais como “os modos de revelação do Direito, se preferirmos, as roupagens ou formas de que o direito se reveste para se impor, coercitivamente, à vida social”. [2]
As fontes formais do direito do trabalho são divididas em heterônomas e autônomas. As heterônomas são as normas provenientes de fora da vontade das partes destinatárias, como, por exemplo, a Constituição Federal, a lei, a sentença normativa e o regulamento de empresa unilateral.
Já as fontes formais autônomas são as normas formuladas pelas próprias partes interessadas, sendo exemplos a convenção coletiva, o acordo coletivo, o contrato de trabalho, o regulamento de empresa bilateral e o costume.
Uma grande problemática que habitualmente é enfrentada por trabalhadores refere-se a existência de cláusulas em acordos e convenções coletivas, que são prejudiciais e que afastam a aplicabilidade de direitos trabalhistas garantidos em lei, muitas vezes imperativos e considerados pela legislação como irrenunciáveis.
Todavia, cumpre alertar que cláusulas inseridas em normas coletivas que prejudicam o trabalhador podem ser consideradas inválidas na Justiça do Trabalho. Exemplos bastante comuns ocorrem em relação à jornada de trabalho e estabilidades.
O trecho de uma decisão do TST que segue transcrito abaixo é um exemplo de norma coletiva que foi considerada inválida pela Justiça do Trabalho, por eximir o empregador de pagar horas extras:

“Embora o artigo 7º, inciso XXVI, da Constituição Federal assegure ‘o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho’, não há como reconhecer a validade da cláusula do acordo coletivo de trabalho que exime o empregador de pagar horas extras trabalhadas, sob pena de suprimir os direitos trabalhistas constitucionais do empregado à duração do trabalho, à remuneração superior do serviço em sobre-jornada e à redução dos riscos inerentes ao trabalho”, concluiu o ministro Luciano de Castilho.” (TST, 2ª Turma, RR 01499/1999-056-15-00.9, Rel. Min José Luciano de Castilho Pereira, Publ. 19/08/2005).

Os acordos coletivos analisados no processo acima dispunham que a jornada de trabalho do motorista entregador e do auxiliar de motorista entregador, ainda que iniciada e encerrada na sede da empresa, seria considerada externa e que estes estariam inseridos na hipótese descrita no art. 62, I, da CLT, ou seja, sem direito ao pagamento de horas extras.
Outro exemplo oriundo do TST, referente a um acordo de compensação de horário que foi considerado inválido por contrariar normas de segurança e higiene do trabalho, segue abaixo:

“RECURSO DE REVISTA. REGIME DE COMPENSAÇÃO. JORNADA 48 X 144. NORMA COLETIVA. INVALIDADE. Não há como se considerar válido acordo de compensação, de quarenta e oito horas de trabalho por cento e quarenta e quatro de descanso, ainda que baseado na livre negociação havida entre as partes, quando prejudicial ao trabalhador. A jurisprudência do C. Tribunal Superior do Trabalho adota como parâmetro, com o fim de verificar a validade do acordo coletivo, que não esteja sendo contrariada normas de segurança e higiene do trabalho. No caso, o trabalho em jornada ininterrupta de 48 horas é extremamente prejudicial à saúde do empregado. Recurso de revista não conhecido.” (TST, 6ª Turma, RR 2380006920055090411 238000-69.2005.5.09.0411, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, Publ. 07/04/2009)

Outro caso bastante comum é o de normas coletivas que impõem prazos para trabalhadoras comunicarem sua gravidez após serem demitidas, sob pena de perda total dos direitos atinentes a estabilidade. Ou seja, é previsto na convenção ou acordo coletivo que após a demissão, a trabalhadora terá um prazo de “x” dias para comunicar seu estado gravídico ao ex-empregador, sob pena de perda do direito à reintegração.
Em tais situações é comum o empregador se pautar na regra coletiva e se negar a reintegrar a trabalhadora, porque ela não observou o prazo previsto na convenção coletiva para comunicar que estava grávida, o que acaba originando o ajuizamento de uma ação trabalhista.
Em tais hipóteses é comum o Juiz considerar inaplicável a regra coletiva, visto que há muito tempo a jurisprudência os Tribunais Regionais do Trabalho, TST e STF apresenta o entendimento no sentido de se considerar inválida a previsão em convenção coletiva de prazo para comprovar a gravidez, por ser inconstitucional.
Uma convenção coletiva é uma fonte de direito do trabalho legítima, mas que não pode contrariar a Constituição e as leis.
Nesse contexto, cumpre citar alguns julgados:

“RECURSO DE REVISTA. ESTABILIDADE GESTANTE. Decisão regional em consonância com a Súmula nº 244, item I, desta Corte, que dispõe que "O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade. (art. 10, II, b do ADCT).(ex-OJ nº 88 - DJ 16.04.2004)-. Recurso de revista não conhecido. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. GESTANTE. NECESSIDADE DE COMUNICAÇÃO DA GRAVIDEZ AO EMPREGADOR. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. VALIDADE . Ocorrendo a gestação durante o contrato de trabalho, a reclamante tem direito à garantia de emprego, independentemente da comunicação à reclamada do estado de gravidez. Deste modo, é inválida a cláusula coletiva que determina prazo prescricional para a comunicação ao empregador do estado gestacional pela empregada, uma vez que o E. Supremo Tribunal Federal vem decidindo que - a alínea b do inciso II do art. 10 do ADCT, ao conferir estabilidade provisória à empregada gestante, apenas exige, para seu implemento, a confirmação do estado gestacional. Pelo que não há falar em outros requisitos para a fruição do benefício, como a prévia comunicação da gravidez ao empregador, porque somente lei poderia regulamentar a matéria. 2. Agravo regimental desprovido. - (RE 570311 Min. Ayres Britto. Segunda Turma DJE 27-05-2011). Violação do art XXVI, da CF, bem como divergência jurisprudencial válida não demonstrada. Recurso de revista não conhecido”. (TST, 6ª Turma, RR 1084002120095040402 108400-21.2009.5.04.0402, DEJT 01/07/2011)

“RECURSO DE REVISTA. GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. COMUNICAÇÃO AO EMPREGADOR. LIMITAÇÃO TEMPORAL. NORMA COLETIVA. PROVIMENTO.É irrelevante para configuração da estabilidade provisória o conhecimento do empregador sobre o estado gestacional da obreira quando do rompimento do vínculo empregatício, pois o artigo 10, II, b, do ADCT ao conferir estabilidade provisória exige para o seu implemento apenas a confirmação de sua condição de gestante. Neste diapasão, conclui-se que a questão aqui tratada é de responsabilidade objetiva, assumindo o empregador o ônus decorrente da dispensa da empregada gestante sem justa causa, ainda que não saiba de seu estado. Basta a ocorrência do estado gravídico para nascer o direito em comento, não havendo, portanto, de se falar em outros requisitos para o exercício desse direito, como, no caso, de comunicação da gravidez ao empregador em determinado prazo, previsto em norma coletiva (Súmula nº 244). Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido”. (TST, 2ª Turma, RR 2535005020055020063 253500-50.2005.5.02.0063, DEJT 07/10/2011)

Também é relevante se observar a Súmula nº 244 do TST, a seguir transcrita, em especial seu item II:

GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (redação do item III alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012
I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, "b" do ADCT).
II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.
III - A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea "b", do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado.

Neste mesmo sentido dispõe a Orientação Jurisprudencial nº 30 da SDC do TST:

30. ESTABILIDADE DA GESTANTE. RENÚNCIA OU TRANSAÇÃO DE DIREITOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE. Nos termos do art. 10, II, "a", do ADCT, a proteção à maternidade foi erigida à hierarquia constitucional, pois retirou do âmbito do direito potestativo do empregador a possibilidade de despedir arbitrariamente a empregada em estado gravídico. Portanto, a teor do artigo 9º, da CLT, torna-se nula de pleno direito a cláusula que estabelece a possibilidade de renúncia ou transação, pela gestante, das garantias referentes à manutenção do emprego e salário.

Assim, em que pese a previsão da norma coletiva, referente a prazo decadencial/prescricional para comunicação do estado gravídico ao empregador, sobreleva destacar que tal regra poderá ser invalidada pela Justiça do Trabalho.

Notas:
[1] SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho. 10 ed.  São Paulo: Método, 2009. p. 384
[2] RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. Curitiba: Juruá, 2000. p. 43.
[3]CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4. ed. Porto Alegre: Síntese, 2003. p. 116.

Referências:
CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4. ed. Porto Alegre: Síntese, 2003.
CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Iniciação ao Direito do Trabalho. 34 ed. São Paulo: LTr, 2009.
RUSSOMANO, Mozart Victor. Curso de Direito do Trabalho. 7. ed. Curitiba: Juruá, 2000.
SARAIVA, Renato. Direito do Trabalho. 10 ed. São Paulo: Método, 2009.