Ellen Lindemann Wother
Inobstante
existam fundamentos de grande relevância para a aplicação do princípio da
sucumbência no processo trabalhista referente a uma relação de emprego, o
Tribunal Superior do Trabalho mantém resistência em seu entendimento de que o pagamento
de honorários advocatícios não decorre pura e simplesmente da sucumbência,
consoante suas súmulas de nº 219 e nº 329.
Tendo em vista
tal entendimento, operadores jurídicos, dentre os quais advogados e juízes do
trabalho, passaram a defender uma outra tese, em prol do deferimento da paga de
honorários advocatícios, consubstanciada em um preceito de direito civil, o da
“reparação integral”.
O atual Código
Civil, em seu o artigo 389, versa a respeito do inadimplemento das obrigações,
e reza o seguinte:
“Não cumprida a
obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização
monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários
de advogado”.
[grifei]
Conforme muito
bem observado por Alexandre Roque Pinto, se for verificado o artigo equivalente
do Código Civil anterior, verifica-se que “a
alusão aos honorários de advogado constituiu uma inovação”. [1]
Nessa senda,
merece ser transcrito o artigo 1.056 do Código de 1916, in verbis:
“Não cumprindo a obrigação, ou deixando de cumpri-la
pelo modo e no tempo devidos, responde o devedor por perdas e danos”, sem fazer
referência aos honorários de advogado”.
O preceito da
restituição integral é uma realidade que permeia a normatividade civil, tanto
que o atual Código faz referência aos honorários advocatícios em outros artigos,
tal como o de nº 404, abaixo transcrito:
Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em
dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais
regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado,
sem prejuízo da pena convencional.
Parágrafo único. Provado que os juros da mora não
cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao
credor indenização suplementar.
Como bem
explicado por Mauro Schiavi, os honorários de advogado previstos nos artigos
389 e 404 do Código Civil são dotados de natureza jurídica indenizatória, ao
passo que objetivam compensar a parte do montante no crédito que despenderá com
a paga de advogado particular. [2]
A inovação do
novel diploma civil é o de garantir a restituição integral, que não ocorre se o
devedor não tiver que arcar com os custos dos honorários advocatícios do
causídico do credor, pois este não terá seu direito reparado integralmente se
tiver que pagar seu causídico com parte de seu crédito.
Nesse passo, José
Afonso Dallegrave Neto discorre o seguinte sobre o tema:
“[...] Não há dúvida de que a partir da vigência do
atual Código Civil, os honorários de advogado são devidos como forma de
prestigiar a restitutio in integrum, ou seja, salvaguardar ao lesado a
indenização integral. [...] Reconheçamos, pois, que o novo direito material
contempla, expressa e independentemente da sorte dos honorários sucumbenciais
(jungidos ao direito processual), plenitude da indenização, há muito
prejudicada pelo usual comprometimento de seu alcance diante da assunção pelo
credor do aumento de seu passivo decorrente da contratação de advogado.” [3]
Outrossim,
consoante o artigo 8º, parágrafo único, da Consolidação das Leis do Trabalho, o
direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não
for incompatível com os princípios fundamentais deste. O entendimento mais
razoável, e que mais se coaduna com os fins sociais aos quais o direito laboral
se destina, é de que o princípio da restituição integral compatibiliza-se
perfeitamente com os preceitos fundamentais do direito do trabalho, tais como
os da proteção do obreiro e da norma mais favorável.
A jurisprudência
trabalhista vem demonstrando a utilização do preceito da reparação integral
para o deferimento de honorários advocatícios, em homenagem à garantia do
direito material da parte que tem razão, independente de ter a causa patrocinada
por advogado particular ou credenciado ao sindicato, circunstância esta que
menos importa, pois o que tem relevância é que a parte vencedora sinta que as
perdas e os danos que sofreu foram restituídos.
Nesse diapasão,
sobreleva citar como exemplo jurisprudencial o seguinte julgado:
DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. De fato, tenho entendido
que permanece incólume o disposto no art. 791 da CLT, subsistindo o jus
postulandi das partes no processo laboral. Assim, os honorários advocatícios
são, indiscutivelmente, devidos nas hipóteses da Lei nº 5.584/70 c/c as Súmulas
219 e 329 do C. TST, OJs n° 304 e 305 da E. SDI-1-TST e Súmula 8 do E. TRT –
15ª Região, ou seja, honorários advocatícios sucumbenciais a favor do sindicato
assistente, como tem sido da tradição jurídico-trabalhista. Contudo, a ciência
do direito é dinâmica e o direito do trabalho não pode ficar alheio às
inovações inseridas no ordenamento jurídico pátrio, bem como o direito civil há
muito é fonte subsidiária do direito do trabalho, sobretudo inexistindo colisão
de princípios fundamentais, conforme previsão inserta no parágrafo único do
art. 8° da CLT. Portanto, com o advento do novo código civil de 2002, houve
inovação acerca da abrangência da reparação pelo inadimplemento das obrigações,
determinando expressamente o art. 389 do CC/02 que a indenização deve incluir
juros, atualização monetária e ainda os honorários advocatícios, no mesmo
sentido é a dicção do art. 404 do CC/02.Assim, considerando que houve
inadimplemento de obrigações trabalhistas e, para a reparação, o reclamante
necessitou socorrer-se de advogado, o qual certamente cobrará pelos serviços
prestados, causando ainda mais perdas ao credor trabalhista; as reclamadas
devem responder pelos honorários advocatícios, a fim de que a reparação do inadimplemento
da obrigação trabalhista seja completa, cujo ideal está em perfeita sintonia
com o princípio fundamental da proteção ao trabalhador.Com efeito, as
reclamadas arcarão com honorários advocatícios da ordem de 10% (dez por cento)
sobre o valor da condenação, a favor do reclamante, como postulado na inicial
(fl. 17), visando à recomposição integral dos prejuízos sofridos (não se trata
de honorários de sucumbência). (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 15ª
Região – Campinas. Acórdão do Recurso Ordinário n. 00964-2007-087-15-00-3 da 6ª
Turma. Decisão 041839/2009-PATR publicada no Diário da Justiça do Trabalho em
03 de julho de 2009. Disponível em:
<http://www.trt15.jus.br/consulta/owa/pDecisao.wAcordao?pTipoConsulta=PROCESSO&n_idv=957323>
Acesso em 10 ago. 2009).
Ou seja,
aplicação do princípio da restituição integral no processo trabalhista para o
deferimento de honorários compatibiliza-se com o princípio do acesso real e
efetivo do empregado à Justiça, bem como com o objetivo de restituição integral
do crédito trabalhista, conforme conclui Mauro Schiavi. [4]
Cumpre citar o
Enunciado nº 53 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do
Trabalho:
53. REPARAÇÃO DE DANOS - HONORÁRIOS CONTRATUAIS DE
ADVOGADO. Os artigos 389 e 404 do Código Civil autorizam o Juiz do Trabalho a
condenar o vencido em honorários contratuais de advogado, a fim de assegurar ao
vencedor a inteira reparação do dano.
Insta citar o
comentário do Douto Francisco Antonio de Oliveira acerca do enunciado acima
referido: “deve ser levada em conta o
princípio da restitutio in integrum, isto é, o causador do dano deve efetuar o
pagamento não só da indenização, mas também dos acessórios processuais, v.g,
custas, honorários periciais, honorários advocatícios”. [5]
Toda a análise
acima apresentada aponta uma realidade: o vencedor de uma demanda trabalhista,
concernente a uma relação empregatícia, tem o direito de ter a causa
patrocinada pelo causídico de sua livre escolha e confiança, razão pela qual
tem direito, também, ao deferimento de
honorários advocatícios, seja com fulcro no preceito da sucumbência ou no
direito à restituição integral.
Nesse contexto,
Francisco Antonio de Oliveira acertou ao alertar que “a exigência da realidade supera a própria norma jurídica e a ela se
antecipa de há muito”. [6]
Assim, o
entendimento do Tribunal Superior do Trabalho, consubstanciado em sua súmula nº
219, está desatualizado, bem como apegado ao passado da Justiça do Trabalho e a
pretérita legislação laboral, que foi ampliada e modernizada a tal ponto que
seus destinatários, os trabalhadores, mesmo leigos, entenderam de forma mais
lúcida que muitos Magistrados que o jus
postulandi pode ser uma armadilha encoberta sob o manto de um direito.
Isso é tão
verdadeiro, que o desuso do jus
postulandi comprova o quão necessário é o advogado no processo trabalhista
contemporâneo, para garantia do efetivo acesso à justiça, que torna-se absoluto
e incentivado se o direito de deferimento de honorários for garantido.
Por tudo isso,
enfim, que a sábia lição de Eduardo Juan Couture, destinada aos advogados, mas
aproveitável por todo o tipo de operador jurídico, deve ser sempre relembrada: “teu
dever é lutar pelo Direito, mas o dia em que encontrares em conflito o direito
e a justiça, luta pela justiça”. [7]
NOTAS:
1.
PINTO, Alexandre Roque. Honorários Advocatícios –
aplicação do princípio da sucumbência ao processo do trabalho. Revista
LTr, São Paulo, v. 73, n. 4, p. 440-450, abr. 2009. p. 447.
2.
SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho.
2. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 286.
3.
DALLEGRAVE NETO, José Affonso. Responsabilidade Civil no Direito
do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008. p. 176.
4.
SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho.
2. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 286.
5.
OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Comentários
às Súmulas do TST. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.
751.
6.
OLIVEIRA, Francisco Antonio de. Comentários
às Súmulas do TST. 9.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p.
442.
7. COUTURE,
Eduardo Juan. Os mandamentos do advogado.
Tradução de Ovídio A. Baptista da
Silva e Carlos Otávio Athayde Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1979.
p.39.