sábado, 16 de junho de 2012

Contratação de representante comercial: orientações para evitar um passivo trabalhista

Ellen Lindemann Wother

   O presente parecer consiste na análise das precauções a serem tomadas para a configuração de uma legítima relação de representação comercial autônoma e para se evitar o risco de formação de passivo trabalhista, consistente na descaracterização da relação de representação comercial para a empregatícia.
    Quem almeja empreender e alavancar os negócios de sua empresa deve estar atento com as regras da legislação trabalhista e ter consciência que a Justiça do Trabalho é rigorosa nas condenações de empresas que mantém contratos com representantes comerciais mascarados por uma fictícia autonomia, mas que, na verdade, são relações empregatícias legítimas. 



I. A diferenciação entre o representante comercial autônomo e o empregado
O representante comercial pode ser denominado como um tipo de trabalhador autônomo, prestador de serviços resultantes da representação comercial não empregatícia. A representação comercial é disciplinada pela Lei nº 4.886/65, que em seu artigo 1º conceitua o representante comercial autônomo como a pessoa física ou jurídica, sem relação de emprego, que desempenha em caráter não eventual, por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios.

A Lei nº 4.886/65 também disciplina em seu art. 27 a respeito dos elementos indispensáveis do contrato de representação comercial, cuja observância é fundamental para evitar a configuração de vínculo de emprego, dentre os quais podemos destacar os seguintes:
a) condições e requisitos gerais da representação;
b) indicação genérica ou específica dos produtos ou artigos objeto da representação;
c) prazo certo ou indeterminado da representação;
d) indicação das zonas onde será exercida, bem como da permissibilidade ou não da representada poder negociar, naquele local, diretamente;
e) garantia total, parcial, por prazo certo ou determinado de exclusividade de zona ou setor de zona;
f) retribuição, época do pagamento e recebimento ou não, pelo representado, dos valores respectivos;
g) hipótese de restrição da zona concedida com exclusividade;
h) obrigações e responsabilidade das partes;
i) exercício exclusivo ou não em favor do representado;
j) indenização devida ao representante pela rescisão do contrato, fora dos casos previstos no art. 34.
Contudo, nos termos textuais da lei em comento, verificam-se elementos que lembram o de uma relação de emprego, tais como a não-eventualidade, em certos casos a exclusividade, a fixação e restrições de zonas de operação, admissibilidade de pagamentos periódicos, dever de fidelidade, produtividade e colaboração com a firma representada, dentre outros, como pode ser verificado nos artigos 27 e 28 da Lei. 4.886/65.
Nesse contexto, de fato existe uma verdadeira linha tênue que distingue o representante comercial autônomo e o trabalhador com vínculo. O representante comercial, tal como outras figuras de trabalhadores ou prestadores de serviços autônomos, apresenta algumas características em comum com um empregado, tal como a habitualidade, que é um dos pressupostos exigidos para o reconhecimento de uma relação empregatícia.
O ponto que diferencia o representante comercial autônomo do trabalhador com vínculo de emprego é sua autonomia, caracterizada pela ampla liberdade de condução de sua atividade, caracterizada pela organização de seu trabalho com poderes jurídicos decorrentes do contrato, com total liberdade na eleição de clientes conforme seu critério, sem interferência da empresa representada, que se limita a receber pedidos e pagar as comissões respectivas.
Outrossim, a pessoalidade, característica fundamental do vínculo de emprego, não é exigida do representante comercial, que poderá admitir auxiliares e colaboradores, ajustar representação com outras empresas (caso inexista cláusula de exclusividade), adotar livremente formas próprias de desenvolvimento de sua atividade.
Ademais, o representante comercial autônomo deve ter escrita contábil, apresentar-se sob firma própria. Ou seja, o risco e o resultado da representação é decorrência lógica da direção que o representante quiser imprimir ao seu negócio. [1]
Para não restar configurada uma relação de natureza empregatícia entre a empresa representada e o representante comercial, é necessário que nãos e façam presentes a subordinação jurídica e a pessoalidade.
Nesse ponto, Sergio Pinto Martins leciona acerca de todas as características desta relação autônoma: 
“A característica fundamental do representante comercial autônomo é a sua autonomia, tanto que o art. 1º da Lei 4.886 prevê que não há vínculo de emprego entre as partes. O Representante comercial autônomo não é dirigido ou fiscalizado pelo tomador de serviços, não tem obrigação de cumprir horário de trabalho, de produtividade mínima, de comparecer ao serviço, etc. O trabalhador autônomo não tem de obedecer a ordens, de ser submisso às determinações do empregador. Age com autonomia na prestação dos serviços. O Representante comercial autônomo recebe apenas diretivas, orientações ou instruções de como deve desenvolver seu trabalho, não configurando imposição ou sujeição ao tomador dos serviços, mas apenas de como tem de desenvolver seu trabalho, caso queira vender os produtos do Representado.” [2]

Outro aspecto de relevante importância e de observância fundamental é consistente na necessidade do contrato ser escrito e registrado junto ao Conselho Regional de Representantes Comerciais, a fim de afastar qualquer possibilidade de configuração de relação empregatícia. Sempre é prudente lembrar que a CLT prevê em seu artigo 443 que o contrato empregatício pode ser verbal e tácito.
Ainda cumpre ser observado que um representante comercial autônomo legítimo não pode ser limitado em seus poderes peculiares, tais como restar impossibilitado de conferir poderes e realizar suas tarefas por outrem, nem a imposição reiterada de ordens por parte do representado, tampouco pode estar sujeito a sanções disciplinares, pois configurariam a pessoalidade e a subordinação jurídica, elementos caracterizadores de uma relação de emprego.
Para um melhor entendimento da problemática aqui abordada, a seguir são colacionados alguns exemplos da jurisprudência:
REPRESENTANTE COMERCIAL. VÍNCULO DE EMPREGO. Reclamante que laborava sem autonomia. Ingerência da reclamada no modo da execução do trabalho. Relação jurídica de emprego que se constitui, independentemente da vontade inicial das partes. Princípio da primazia da realidade. Artigo 9º da CLT. [...] Deste modo, tem-se que o contrato de trabalho, à luz do princípio da primazia da realidade, não depende de qualquer elemento formal de constituição, quando as partes passam a comportar-se como empregado e empregador. [...] Resta, pois, fundamental para a distinção entre os contratos, a definição da sua natureza jurídica a partir da presença da subordinação típica, que atrai a caracterização do vínculo de emprego, ou da autonomia, que importa mera representação comercial. [...] No que tange à subordinação subjetiva, a mesma também restou evidenciada. As testemunhas confirmam que havia determinação da ré para que todos os vendedores comparecessem diariamente à sede da empresa, pela manhã, para reuniões, troca de informações e busca de mercadorias para serem entregues com urgência para os clientes (v. depoimentos das testemunhas André Fernandes e Alexandra Francisca, fls. 602-3). Tais esclarecimentos confirmam que o reclamante, no desenvolvimento do seu trabalho, se submetia aos comandos do empregador, condizente com a forma de desenvolvimento das atividades, com a obediência a critérios diretivos. [...] A descaracterização da representação comercial se revela, ainda, quando a ré não comprova que o autor possuía registro no CORE (requisito formal do contrato de representação comercial). [...] (Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Recurso Ordinário nº 0014300-07.2009.5.04.0004. Julgado em 22/04/2010).

REPRESENTANTE COMERCIAL AUTÔNOMO. RELAÇÃO DE EMPREGO. INEXISTÊNCIA. Não é empregado o representante comercial que, por intermédio de pessoa jurídica por ele próprio constituída, e com liberdade de se fazer representar por terceiros, desenvolve atividade produtiva em benefício recíproco com a empresa contratante. (Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região. Recurso Ordinário nº 0109500-65.2008.5.04.0751. Julgado em 03/03/2010)

Como é cediço, independente de existir contrato por escrito, para uma relação de emprego ficar configurada, basta que na prática do dia a dia estejam configurados os seguintes requisitos: subordinação, onerosidade, pessoalidade e não eventualidade (habitualidade).
É interessante observar algumas recomendações básicas para evitar a configuração de um vínculo de emprego com o representante comercial. Abaixo seguem algumas orientações referentes a cada pressuposto caracterizador de uma relação empregatícia:
a) Subordinação
ü    Evitar que representante use uniforme da empresa representada;
ü    Não exigir que o representante seja exclusivo da empresa;
ü    Evitar que o representante trabalhe diretamente no escritório da empresa contratante,
ü    A representada não deve ter ingerência sobre o representante
b) Onerosidade
ü    Observar que se toda a fonte de renda do representante (ou a principal) for decorrente da relação que está sendo mantida com a empresa contratante estará configurada a dependência financeira, que é um dos pressupostos configuradores do vínculo de emprego.
ü   Não exigir exclusividade: normalmente um representante comercial autônomo mantém outros clientes.
c) Pessoalidade
ü    Evitar que apenas a pessoa física do representante possa executar a representação comercial, sem poder transferir a prepostos seus, sob pena de uma das características do legítimo representante comercial ficar prejudicada, no caso a liberdade/autonomia.
d) Não eventualidade ou habitualidade
    ü   Caso as situações de risco acima mencionadas estiverem configuradas, e somado a tudo isso a relação ser continuada, ocorrendo dia após dia, o contexto conjunto indicará que se trata de relação de emprego e não de representação comercial.
Provas
Seguem abaixo alguns exemplos de provas geralmente utilizadas por reclamantes em ações trabalhistas que pretendem afastar uma situação de representação comercial autônomo para obter um pronunciamento judicial de declaração de vínculo de emprego:
ü    utilização de uniforme ou vestimenta que confere publicidade à empresa;
ü    uso de telefone celular da empresa
ü    relatórios de atividades
ü    documentos que comprovam subordinação funcional: e-mails, memorandos, comunicações internas, bilhetes, atas de reuniões
ü    percepção de valores a título de ajuda de combustível, hotel e despesas de deslocamento, o que pode ser comprovado por cópias de recibos, e-mail’s, cópias de relatórios, etc..
ü    crachá da representada;
ü    cartão de visitas da representada com nome do representante;
ü    preenchimento pelo representante de roteiro de visita;
ü    emissão de todas as notas fiscais da sua pessoa jurídica em favor da empresa  notas seqüenciais - uma após a outra em favor da mesma empresa.
ü    testemunhas.
A empresa representada deve guardar provas documentais de que o representante comercial tem sede própria (prova de que é estabelecido comercialmente), de que conta com empregados e prepostos que atendiam a empresa simultaneamente, de que possuía outros clientes e outras fontes de renda (comprovável pelas notas fiscais emitidas), e que atua com liberdade e autonomia.
Ademais, é obrigatório ao exercente da representação comercial autônoma estar devidamente registrado no respectivo Conselho Regional de Representantes Comerciais - artigo 2º da Lei nº 4.888/65 - o que deve ser verificado por quem pretende ser representado. Em muitas ações trabalhistas tal aspecto é decisivo para a configuração de vínculo empregatício, tanto que quando o representante não é registrado no Conselho, em regra é declarado o vínculo de emprego como vendedor.
A contratação de representante comercial PESSOA FÍSICA é mais temerária e deve ser precedida sempre e, no mínimo, de registro no CORE - Conselho Regional de Representantes Comerciais, uma vez que o risco jurídico de vínculo de emprego neste tipo de contratação é maior, independente do registro no Conselho, tendo em vista a maior possibilidade de configuração de pessoalidade, eventual dependência econômica, exclusividade, subordinação, etc...
Enfim, convém observar que se a realidade contratual for configurada pela subordinação, não-eventualidade, onerosidade e pessoalidade, restará caracterizada uma legítima relação de emprego, mesmo que atendidas as formalidades exigidas pela Lei nº 4.886, o que poderá ser objeto de reclamação trabalhista a ser ajuizada na Justiça do Trabalho.
II. Impedimentos para exercício de representação comercial  

Quem busca um representante comercial deve atentar de que está impedido de exercer a representação comercial aquele que se enquadra nas seguintes situações:
ü  Quem não pode ser comerciante.
ü  Falido não reabilitado.
ü  Condenado por infrações penais de natureza difamante, tais como: a) falsificação; b) estelionato; c) apropriação indébita; d) contrabando; e) roubo; f) furto; g) extermínio ou crimes também punidos com a perda de cargo público; h) o que estiver com o respectivo registro comercial cancelado como penalidade (art. 4º da Lei nº 4.888/65).
III. Prazos de vigência do contrato de representação comercial

A lei não estabelece um prazo máximo para a representação comercial, mas não admite prorrogação, ou seja, se a prorrogação ocorrer passa automaticamente a ser por prazo indeterminado.
É considerado, também, por prazo indeterminado todo contrato que suceder a outro, com ou sem determinação de prazo, dentro de seis meses, conforme previsto no art. 27, §§ 2º e 3º.
No caso de rescisão do contrato a prazo indeterminado, por iniciativa do representado, sem justo motivo, ao representante é devida indenização cujo montante não será inferior a 1/12 avos do total da retribuição (comissões), devidamente atualizada, auferida durante o tempo em que exerceu a representação.
Já no caso de contrato a prazo certo a indenização corresponderá à importância equivalente à média, mensal da retribuição (comissões) auferida até a data da rescisão, multiplicada pela metade dos meses resultantes do prazo contratual (art. 27, § 1º).
IV. Obrigações do representante

O representante comercial fica obrigado a fornecer ao representado, segundo as disposições do contrato ou, sendo este omisso, quando lhe forem solicitadas informações detalhadas sobre o andamento dos negócios a seu cargo, devendo dedicar-se à representação de modo a expandir os negócios do representado e promover os seus produtos.
Nesse passo, as informações a serem prestadas pelo representante não devem ser confundidas com relatório de atividades similares a que um empregado elaboraria, sob pena de constituição de prova documental de subordinação.
Salvo autorização expressa, não pode o representante conceder abatimentos, descontos ou dilatações, nem agir em desacordo com as instruções do representado.
O representante, quanto aos atos que pratica, responde segundo as normas do contrato e, sendo omisso o instrumento, são aplicadas as normas de direito comum.

V. Repercussão geral no STF sobre competência da Justiça do Trabalho  para julgar ações entre representante comercial autônomo e empresa representada

      Embora não seja referente a processo no qual se discute vínculo de emprego de representante comercial, merece ser dado destaque a um caso oriundo da Justiça do Trabalho sobre cobrança de comissões.
O Plenário Virtual do Supremo Tribunal Federal (STF) conferiu repercussão geral do tema objeto do Recurso Extraordinário nº 606003, referente a uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que entendeu que Justiça do Trabalho é competente para o julgamento de processos relativos a cobrança de comissões decorrentes relação jurídica mantida entre representante comercial e a empresa representada, forte na Emenda Constitucional nº45/2004.
O Recurso Extraordinário em comento foi interposto pela empresa gaúcha Ferticruz Comércio e Representações LTDA contra decisão do TST proferida no processo AIRR 186-2006-601-04-40-9, que manteve a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região de competência da Justiça do Trabalho para cobranças de comissões de representante comercial.
Com o Recurso Extraordinário nº 606003, a empresa representada pretende a declaração da competência da Justiça comum estadual para apreciar a matéria.
O Ministro Marco Aurélio, relator do caso fundamentou o entendimento de  repercussão geral do tema, ante a previsão de que a questão “pode repetir-se em inúmeros processos”.
A empresa recorrente Ferticruz é representada pelo advogado Elton Altair Costa.
NOTAS:

 [1] VILHENA, Paulo Emílio Ribeiro de. Relação de Emprego. Estrutura Legal e Supostos. 2. ed. São Paulo: LTr, 1999. p.503.
[2] MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 23. ed. São Paulo: Atlas. 2007. p. 156.